Transmantiqueira Caminhando e voando

 

Fabio Ferreira pronto para decolar da Pedra da Mina, no sexto dia da Transmantiqueira
 

Uma expedição de 340km no modelo voo de bivouac!

A Transmantiqueira, trilha de longo curso que passa pelos principais picos da Serra da Mantiqueira, foi percorrida caminhando e voando de parapente. O piloto e montanhista Fabio Ferreira iniciou a expedição na Pedra Grande, em Atibaia, Estado de São Paulo, e terminou o trajeto de 340km em 6 dias, ao decolar na Pedra da Mina, em Passa Quatro, em Minas Gerais.
 
A cada dia Fábio subiu uma montanha para decolar de parapente com o objetivo de voar o maior trecho possível da trilha em direção à montanha do dia seguinte. Após pousar nos vales e vilarejos, comia alguma coisa, escolhia um ponto de acampamento para passar a noite, dormia, e recomeçava tudo na manhã seguinte. Esse modelo de expedição é chamado de “vôo de bivouac”: o aventureiro leva o mínimo necessário na mochila para ser leve, rápido e, dentro do possível, auto-suficiente.
 
Movendo-se apenas pelas pernas, ventos e térmicas, Fábio passou pela Pedra Grande, Pico do Lopo, Pico do Selado, Pico da Onça, Pedra do Baú, Pico dos Marins, Itaguaré e Pedra da Mina, para então terminar a expedição no Vale do Paraíba na cidade de Cachoeira Paulista.
 
Fábio Ferreira, também conhecido como “Pé”, tem 40 anos e é natural de São Paulo. Montanhista e ciclista desde a adolescência, já escalou mais de 11 cumes com mais de 6.000m nos Andes. Iniciou no vôo livre em 2014 e passou a voar na Mantiqueira, território explorado por ele a pé ou de bicicleta. Fábio também realizou expedições e vôos nos Alpes.
 
Conheça essa história na entrevista exclusiva:
 
 

Voar a Transmantiqueira! De onde saiu essa idéia?

A idéia surgiu em conversa com os amigos e parceiros de vôo Christian e John Boettcher, de Monte Verde-MG. Eles comentaram da possibilidade de conectar os picos da Mantiqueira voando. Quando mais novo eu já tinha feito a travessia da Serra Fina, Travessia Marins Itaguaré, escalado na Pedra do Baú e visitado muitas das montanhas da Transmantiqueira. Eu também já tinha feito as conexões entre uma montanha e outra de bicicleta. Quando comecei a voar, mesmo ainda inexperiente, passei a sonhar com chance de conectar todos esses lugares maravilhosos da Mantiqueira em uma única expedição.

Voando sobre a classica travessia Marins-Itaguaré, depois de decolar do Pico dos Marins

 

Porque não foi voando o trecho todo?

 
Aqui cabe um esclarecimento, não funciona assim, o parapente é um planador, perde altitude ao “voar”, não tem auto-propulsão e depende do clima, da sorte e da perícia do piloto para fazer vôos longos. 
O desafio é encontrar as termais, grandes colunas naturais de ar quente ascendente e manter o parapente voando “dentro” delas para subir o máximo possível. Quando chega a máxima altitude, o piloto parte à procura da próxima termal. Se não a encontrar, ele pousa após alguns minutos e o vôo termina.

 

Como foi o planejamento?

Não foi como eu esperava. Saí de casa naquela manhã do primeiro dia para voar na Pedra Grande como faço normalmente, eu estava entusiasmado porque a previsão do tempo mostrava um dia ótimo para vôo longo, pensei em tentar voar até Extrema, que fica uns 40km de casa. Acontece que tive medo de não ter ônibus para voltar para casa à noite, estávamos na expectativa da quarentena, então por precaução peguei meu equipamento de Bivouac (equipamento mínimo para pernoite em área selvagem).O dia foi tão espetacular e voei até Extrema, passei por cima da Serra do Lopo e continuei engatando nas termais até Monte Verde! Aliás esse era um vôo que eu queria MUITO fazer e nunca tinha conseguido. Depois desse início inesperado e incrível, decidi tentar continuar a rota da Transmantiqueira nos dias seguintes!

 

 
 
Bivouac perto da Pedra do Baú 

Onde você dormia e o que você comia?

Quando pousei em Monte Verde no final do primeiro dia, encontrei com meus amigos irmãos Boettcher e tive casa e comida na residência deles. Os demais dias tiveram uma rotina mais ou menos assim: eu procurava pousar perto de um vilarejo ou cidade onde eu fazia uma refeição completa. Depois, seguia caminhando em direção ao ponto de decolagem do dia seguinte e escolhia um local para acampar pelo caminho. Levava comigo salame, queijo e água para o café da manhã. Tomava banho nos ribeirinhos e cachoeiras.

 

 

 

Então você andava um bom trecho todos os dias?

Sim, todos os dias caminhava antes e depois do vôo, do percurso total de aproximadamente 340km, caminhei uns 150km e voei o restante.

A rampa da Pedra do Baú com o Bauzão ao fundo à esquerda
 

Você fez o percurso todo sozinho?

Fiz o Transmantiqueira sozinho, mas estive muito bem acompanhado! Os amigos ficaram sabendo da empreitada e vieram voar trechos comigo: Voei em Atibaia com Edu Morais e em Monte Verde decolamos Chris e John Boettcher e Jefferson Estevam. Em Piranguçu o piloto Clóvis me passou várias dicas de rotas. O Pico dos Marins foi quase uma expedição, encontrei com Ricardo Rui, Jé “Monstro”, Hugo e Kaynã, por fim na Pedra da Mina voamos juntos Jé “Monstro” e Vinicius.Foi muito legal encontrar a turma para as caminhadas e vôos, dava um incentivo, eles ficaram me perguntando quantos dias eu estava sem banho (rs).

Dia 2 – Pilotos Chris, John e Fábio aguardando para decolagem em Monte Verde-MG no dia 2 da Transmantiqueira
Ricardo Rui, Jé “Monstro”, Kaynã Rodrigues e Hugo Shimada acompanharam Fabio no Pico dos Marins.

 

 Qual foi o maior perrengue?

 

Bivouac no dia 5, a caminho do Pico dos Marins

Sem dúvida a passagem do quarto para o quinto dia. Decolei em Piranguçu-MG e tinha o objetivo de chegar o mais perto possível do Pico dos Marins, porém acabei pousando perto de Wenceslau Braz. Não encontrei lugar para refeição completa, tive que me virar com uns lanches de mortadela e uns pastéis. Rachei 27 km no hike até o acesso à estrada de terra para Pico dos Marins, foram 6h de caminhada. Encontrei um rancho e montei meu equipamento de bivouac antes que caísse meu disjuntor e eu dormir lá pelas 23h, fez muito frio naquela noite. A manhã seguinte ainda caminhei mais 15km até a base do Pico dos Marins para iniciar o hike até o cume com meus amigos.

 

O que mais te emocionou?

O inicio e o final! Quando pousei no último dia, depois de decolar da Pedra da Mina, as lágrimas desceram, é muito gratificante realizar um sonho aqui na Mantiqueira, essas são nossas montanhas, lugar onde passei momentos felizes durante toda a vida. O primeiro vôo de Atibaia até Monte Verde foi também muito especial, eu já tinha tentado fazer esse vôo várias vezes nos últimos anos e nunca tinha dado certo. Dessa vez consegui ir aproximando da cidade voando alto e, entre uma térmica e outra, mandei uma mensagem para o John dizendo – hoje vai, me espera aí! – . Quando cheguei no aeroporto da cidade (hoje desativado) John, o amigo que me inspirou a voar em 2014, estava me aguardando lá embaixo. Ele botou uma fé que eu ia conseguir chegar, foi emocionante. Celebramos com cerveja!

 
 Dia 1- Chegando em Monte Verde após decolar da Pedra Grande em Atibaia.
 
 
Dia 1- Pousando no aeródromo de Monte Verde-MG. Imagens: John Boettcher

Como lidou com a quarentena?

 

Muitas cidades ainda não haviam estabelecido a quarentena e tive pouquíssimo contato com os locais. Dormi isolado no mato. Mantive o distanciamento social.

Qual era seu plano de emergência?

Levei comigo um spot caso ocorresse algum acidente grave. Conservei a bateria do celular ligando apenas quando precisava. Foi tudo tranquilo, dormir por aí não era um problema porque eu conhecia a região. Eu também tinha o paraquedas reserva para o caso de alguma pane em vôo. 

Qual a maior lição que você aprendeu?

Fluiu tudo muito bem na viagem, os dois primeiros vôos ajudaram muito a preencher um grande percurso. O que aprendi é que fazer uma trip de bivouac não é um bicho de sete cabeças, pelo contrário, é bem simples na verdade. Eu preciso melhorar um pouco meu saco de dormir porque passei um pouco de frio à noite, é preciso dormir bem. 

 
Dia 5 – Caminhando em direção ao campo base do Pico dos Marins.

 

 
Decolagem na Pedra da Mina a mais de 2.790m.  Vinicius Rodrigues
 
 
 

 

 

Lista de equipamentos:

Saco de dormir 600g conforto 13o
Bolsa de Bivouac
Metade de um isolante térmico
Spot
Power bank
Headlamp
Escova e pasta de dentes
Celular e carregador
Variômetro
Rádio
Roupa do corpo
Papel higiênico
Garrafa 1,5 de água por dia 
Capa de Chuva da mochila

ROTEIRO GERAL

DIA 1 – Atibaia-SP a Monte Verde-MG
DIA 2 – Monte Verde-MG a São Bento do Sapucaí-SP
DIA 3 – São Bento do Sapucaí-SP a Piranguçu-MG
DIA 4 – Piranguçu-MG a Pico dos Marins-SP
DIA 5 – Pico dos Marins – Fazenda Paiolinho
DIA 6 – Fazenda Paiolinho – Pedra da Mina e Voo para o Vale do Paraíba.
 
Voando em direção nordeste na crista de Monte Verde-MG, a direita, encoberto, o vale de Santa Barbará próximo a São Francisco Xavier

 

 

Texto: Leandro Estevam “Montoya”
Entrevista: Fabio Ferreira “Pé”
Julho 2020 

Montanhista, Piloto de parapente e entusiasta do Hike and Fly. Primeiro a decolar do Pico da Neblina, montanha mais alta do Brasil! Editor do primeiro site dedicado a modalidade no Brasil.

0 Comments

  1. Piu
    13 de julho de 2020

    Mandou muito bem Pé. Realizou um sonho e abriu a porteira para os próximos a se aventurar assim nas montanhas que choram. Parabéns.

    Responder

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